Estudo de Bebês e diálogos com a sociologia

Estudo de Bebês e diálogos com a sociologia

Este livro é resultado de pesquisas que venho realizando desde o meu doutorado, em 2009, orientado pela profa. Anete Abramowicz. Desde então tenho buscado estabelecer relações possíveis entre a Sociologia e o Estudo de Bebês. Nesse percurso, diversos interlocutores se uniram a esta tarefa uma vez que participaram de modos distintos dos projetos de pesquisa desenvolvidos nesse período.

Sobre o conteúdo do livro

Este livro reúne um conjunto de textos escritos por mim e por alunos e alunas que eu orientei desde que ingressei no Programa de Pós-Graduação da UNICAMP. Reúne, ainda, textos de colegas, parceiros e interlocutores importantes nesse processo. E apresenta alguns debates que temos feito no âmbito do projeto de pesquisa atualmente em vigor sob minha coordenação. São ao todo 33 capítulos, de pesquisadores nacionais e internacionais, organizados nas seguintes seções:
Parte 1. Fundamentos Sociológicos Clássicos e suas implicações para o estudo de bebês ( com capítulos sobre Durkheim, Weber, Marx, Bourdieu, Giddens e Goffman);
Parte 2. Bebês, Infância e Geração (Diálogos com Mannheim, Arendt e Qvortrup);
Parte 3. Os discursos sobre os bebês, a sociologia e o construcionismo social. Apresenta diálogos com Berger e Luckmann, James, Jenks e Prout e com pesquisas sobre a questão racial;
Parte 4. Bebês, Cultura e Arte. Reúne ideias desenvolvidas por Florestan Fernandes, William Corsaro, Hampate Bâ, pela Sociologia da Arte e pelo encontro da educação infantil com o cinema;
Parte 5. Perspectivas Sociológicas para o estudo de bebês e suas experiências cotidianas. Mobiliza uma sociologia das relações ético-raciais, a micro-sociologia de Liane Mozère, a teoria Ator-Rede, de Latour, a Sociologia da Experiência de Dubet, a Sociologia das Emoções explorada por Pablo de Grande, a perspectiva infinitesimal de Gabriel Tarde, e a Sociologia dos indivíduos e das individuações;
Parte 6. Temas contemporâneos nas pesquisas sociológicas sobre bebês. aponta perspectivas feministas, a contribuição da Sociologia Urbana e reflexões sobre a relação entre os bebês e a sociologia da infância;
Parte 7. Sociologia além de seus limites disciplinares. amplia os debates para os campos da geografia, da antropologia e suas discussões sobre mobilidade, da psicologia, da História. Por fim, traz ainda as contribuições do direito e da economia que atravessam o pensamento de Boaventura Sousa Santos.

Mas… Estudos de Bebês e diálogos com a Sociologia?????

Em outros tempos (e, para muitos, ainda hoje), este seria um título bastante inusitado. Isto porque a Sociologia nunca foi reconhecida como uma ciência que tenha se ocupado dos bebês. Isto porque os bebês, tradicionalmente, são estudados pela medicina, pela saúde pública, psicologia e pela neuropsiquiatria. Deste modo, o interesse pelos bebês no campo da educação é mais recente. E isso ocorre após a aprovação da LDB, que estabeleceu as creches como primeira etapa da educação (ABRAMOWICZ, 2015; KUHLMANN JR, 1998, dentre outros).

Geração, Infância e a invisibilidade dos bebês

No campo das Ciências Sociais, debates desenvolvidos ao longo do século XX configuram as bases para uma Sociologia da Infância. Na década de 1940, Florestan Fernandes desenvolvia no Brasil pesquisas sobre folclore e grupos infantis e seu papel na mudança social. Esses textos produzidos no final de sua graduação em Ciências Sociais, foram orientados pelo prof. Roger Bastide e então, publicados em 1962. O livro -intitulado Folclore e mudança social (Fernandes, 1962, 2004) – inclui um capítulo bastante conhecido entre os estudiosos da infância: “As trocinhas do Bom Retiro”.

Contribuições de Florestan Fernandes para o estudo dos grupos infantis

Os estudos de Fernandes apresentam no campo da Sociologia um olhar novo, ao destacar:

  • o papel dos grupos infantis no processo de socialização das crianças;
  • o papel das crianças na socialização de seus pais.

Trata-se, portanto, de uma perspectiva bastante inovadora do processo de socialização, em relação ao que vinha sendo produzido até então.
Seus estudos se voltaram para grupos de crianças com autonomia para brincar sozinhas nas ruas, o que, evidentemente, não incluía os bebês. No entanto, suas ideias podem nos inspirar novos debates que incluam os bebês.
Suas ponderações, não repercutiram muito na época, e a produção internacional da sociologia sobre a questão das gerações seguiu outro rumo.

As gerações no pensamento de Karl Mannheim

Assim, em 1952 Mannheim publicou um texto sobre o problema sociológico das gerações.
Nele, o autor discute a existência de uma identidade potencial relacionada a cada posição social, o que inclui os “grupos etários”. Sua argumentação, portanto, se sustenta em dois conceitos centrais: Geração como potencialidade  e Geração como realidade.

Geração como potencialidade

Esta ideia refere-se à existência de uma identidade potencial relacionada a cada posição social, incluindo, portanto, os ‘grupos etários’. Isto porque há uma expectativas ligadas à geração de cada um. Expectativas de que pessoas nascidas num mesmo período e contexto social, compartilhem de certos padrões de comportamento, sentimentos e pensamentos.

Geração como realidade

Esta ideia relaciona-se com o conceito de “enteléquia”. Isto é, o “ato final ou perfeito”, a “realização acabada da potência”. Assim, uma “geração como realidade” se concretiza a partir do momento em que seus integrantes passam a constituir grupos concretos. Mas o foco do autor é pensar em questões ligadas à juventude.
 

Eisenstadt e geração

Em 1956, Eisenstadt também publicou uma obra sobre o tema, com o título De geração a geração.
Nele, o autor discute grupos etários como fenômenos sociais que implicam condições de estabilidade, instabilidade, continuidade ou mudança dos sistemas sociais.
Sua obra se soma a um movimento de aproximação da sociologia com a questão das gerações e dos distintos grupos etários que compõem a sociedade. Contudo, a perspectiva adotada pelo autor tem como foco os movimentos juvenis e uma compreensão bastante vertical do processo de socialização.
 

A emergência dos Estudos de Bebês

São recentes as pesquisas que emergem no campo da Sociologia e nos oferecem perspectivas interessantes para o estudo de bebês.
Um exemplo é a pesquisa desenvolvida por Igor José Machado (2006). Seu artigo sobre Bebês e totemismo propõeo o termo “nenezidade” e nos oferece bases conceituais específicas para o estudo de bebês como grupo geracional.
No mesmo sentido, o debate travado por Regine Sirotà (2007) em artigo sobre a indeterminação das fronteiras de idade ganha relevância. Nele a autora se vale do termo “Bebelogia” para se referir ao estudo dos bebês.
De acordo com a autora:
Quanto mais os conhecimentos científicos se aprofundam e se tornam complexos, mais as categorias se multiplicam e as fronteiras se tornam flutuantes entre “bebelogia” [bébologie], primeira infância, segunda infância, pré-adolescência, adolescência” (Sirotà, 2007, p.46).
 

Diálogos com a Antropologia

Da mesma forma que a sociologia, também a Antropologia tem se voltado para os bebês.
Pesquisas desenvolvidas pela antropóloga Alma Gottlieb no final da década de 1970 e no início da década de 90  assumem papel importante nesse movimento. Debates presentes em seu livro sobre a cultura dos recém-nascidos no oeste da África (GOTTLIEB, 2012), que se dedica ao estudo de bebês Beng, na Costa do Marfim,  apontam inclusive para as contribuições que a sociologia pode oferecer para os estudos de bebês.
As pesquisas desenvolvidas por Gottlieb articulam simultaneamente crenças locais, práticas de cuidado de bebês e condições materiais e sociais concretas. Especialmente nos capítulos “O bebê como agente: o desejo de morrer” e “As práticas das feiticeiras versus o resultado da pobreza” (GOTTLIEB, 2012, p. 365 -367 e 378-91).
Neles, a autora destaca a importância de uma perspectiva sociológica sobre, por exemplo, as estatísticas de mortalidade infantil nos primeiros meses de vida.

Pesquisas contemporâneas

Dentre os autores mais contemporâneos do campo específico da Sociologia e que nos oferecem insights importantes para o estudo de bebês, destacamos, especialmente:

  • os trabalhos de Pablo de Grande (2015, 2016a, 2016b, 2017), na Argentina, sobre os bebês, as dinâmicas familiares e os objetos desenhados para os bebês, sobretudo dialogando com Latour (2012) e com a Sociologia das Emoções (HOCHSCHILD, 1975; LUNA, 2000);
  • o artigo de Igor Machado, no Brasil, sobre “o universo de símbolos usados para representar os bebês na nossa sociedade, tratado como ‘totemismo do mundo dos bebês’” (MACHADO, 2006, p.389),
  • as pesquisas sobre bebês e infância que vêm sendo desenvolvidas na Universidade do Minho, sob a orientação de Natália Fernandes e muito fortemente inspiradas pelas ideias de Manoel Sarmento.

Em entrevista sobre participação infantil, Natália Fernandes pondera que
As crianças têm competências distintas. E as formas que as crianças participam obviamente também são distintas de idade para idade. Agora, o que é interessante, é olharmos para os grupos mais novinhos. Para os bebês, por exemplo. E ver se efetivamente eles também participam e as formas como participam, por exemplo, na dinâmica da sala. (CARVALHO e SILVA, 2016, p. 191)

Diálogos com a Educação

A interface entre Sociologia e Educação para o Estudo de Bebês se desenvolve, sobretudo, a partir das pesquisas de Liane Mozère. Socióloga feminista e comunista nascida na China, desde a década de 1960 participou de projetos com Félix Guattari na França.
Ainda na década de 1970, Mozère começou suas pesquisas em creches francesas.
Nesse período, desenvolveu uma perspectiva microssociológica de pesquisas sobre bebês, pequena infância e profissionais de creches. Sempre muito inspirada pelas ideias de Deleuze e Guattari (e também de Foucault)
e pelo conceito de devir-criança. Nesse sentido, Delgado (2013) e Delgado e Nornberg (2013) destacam a centralidade dos pontos de vista e das forças do desejo dos bebês e das crianças pequenas na obra de Mozère.
Assim, a autora oferece perspectivas pós-estruturalistas para os estudos sociológicos dos bebês e da “pequena infância”. Trata-se de uma das pioneiras nessa perspectiva.
Destacamos, ainda, o artigo de Eric Plaisance (2004) que argumenta em prol de uma sociologia da pequena infância, com foco nos processos de socialização.

Estudos de bebês e diálogos com a Sociologia, no Brasil

Segundo os autores do livro, os bebês parecem ter emergido a princípio, nas discussões desenvolvidas por Guerreiro Ramos, no Brasil no início da década de 1940.
Suas pesquisas nessa época podem ser compreendidas como uma Sociologia da Saúde e voltavam-se para um diálogo com o campo da puericultura. Sobretudo, destacavam o importante papel de uma perspectiva sociológica para se compreender a questão da saúde infantil articulada a uma perspectiva racial (GUERREIRO RAMOS, 1944, 1951, 1954).
No contexto brasileiro mais recente, apontamos para um número significativo de estudos que articulam educação, sociologia e bebês. Dentre eles estão:
– Em primeiro lugar, as pesquisas desenvolvidas por Coutinho (2009, 2010, 2014) sobre a ação social dos bebês a partir de um diálogo com Weber e
– Mais recentemente, as pesquisas desenvolvidas por Tebet e Abramowicz (2014, 2015, 2018) que argumentam em prol de um olhar específico para os bebês, os diferenciando do conceito “Criança”.

Enfim… Por quê estudar os bebês a partir de um diálogo com a Sociologia?

Talvez, pelo simples fato de que bebês fazem parte da sociedade. Talvez, porque, mesmo questões que aparentemente possam ser vistas como do âmbito privado/familiar, relacionam-se com questões públicas mais amplas. Esta perspectiva já havia sido pontada pelo sociólogo americano C. Wright Mills (1970). E fica evidente no livro recém lançado por Manuela D’ávila (2019), intitulado “Revolução Laura”.
Nele Dávila relata situações em que sua filha a acompanhou em agendas políticas. Sobretudo no período em que era amamentada, durante o período de campanha eleitoral. Destaca a revolução que a presença de um bebê no espaço público implica para as relações sociais. D’Ávila (2019, p. 125) nos instiga a pensar por quê a invisibilidade dos filhos de homens públicos não tem sido pauta de debates.
E ainda afirma que “quando a gente mudar a nossa cultura vai achar estranho o pai que nunca está com seus filhos. Alguém está. Esse alguém é a mãe. Isso tem relação com mulheres não ocuparem espaço público”.
Ouso pensar que tudo isso tem a ver com Sociologia e o Estudo de Bebês.
 

Sociologia e o Estudo de Bebês

Defendemos o estudo sociológico de bebês porque discordamos que os bebês ainda não sejam seres humanos completos. Igualmente, discordamos que sua compreensão biológica seria suficiente para nos relacionarmos com eles.
Bortoletto-Dunker e Lordelo (1993) indicam uma mudança iniciada na década de 1960 nas compreensões sobre as competências dos bebês. E o reconhecimento científico que começava a emergir das suas habilidades sensoriais e interativas.
Ao mesmo tempo, a maior presença dos bebês em contextos coletivos de educação tem permitido que novas questões emerjam. Questões sobre seus processos de socialização e sua ação na vida social, familiar e na relação com outros bebês.
Nesse sentido, pensar os bebês em uma perspectiva sociológica, nos parece desejável. Nossas relações cotidianas com eles nos mostram, portanto,  o quão rica pode ser a experiência de um bebê. Seja com seu corpo, com o espaço ou com o tempo. E ainda com as pessoas com as quais convivem e com a sociedade de modo geral.
 

Sobre o livro Estudos de Bebês e diálogos com a Sociologia

Em síntese, este livro busca ser uma porta de entrada para aqueles que estão se aproximando dos estudos de bebês. Para aqueles que desejam conhecer alguns caminhos possíveis no campo da Sociologia. Ademais, ele visa oferecer ferramentas analíticas para responder indagações surgidas da sua relação e da observação de bebês.
Ele aponta, portanto,  possibilidades e apresenta referências. A partir delas cada leitor(a) poderá seguir independentemente seus estudos e reflexões. Poderá responder e produzir novas questões e, deste modo,  contribuir para a construção de novos olhares para os bebês.
Por fim, destacamos que os bebês merecem que sejamos capazes de olhar para eles em sua completude. E os estudos de bebês em diálogo com a sociologia podem nos oferecer um apoio importante nessa empreitada!
 
* O livro Estudos de bebês e diálogos com a Sociologia foi publicado pela Editora Pedro e João em versão impressa e e-book e contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES).

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